segunda-feira, 25 de outubro de 2021

MANUTENÇÃO FONTES CHAVEADAS

Conversores com esta arquitetura tem a entrada isolada galvanicamente da saída e utilizam indutores acoplados, que ora conduzem num enrolamento, ora noutro, mantendo o fluxo de corrente. Apesar da semelhança física, os indutores da arquitetura flyback não compõem um transformador.

O contato com qualquer conexão deste estágio poderá causar um perigoso choque elétrico. Deve-se manusear o circuito somente algum tempo depois de desligá-lo da rede elétrica, para os capacitores descarregarem-se suficientemente. Em caso de defeitos, pode ocorrer do capacitor principal da fonte (C1 em nosso caso) não se descarregar, portanto deve-se precaver contra esta possibilidade.

Mais adiante, será abordado o estágio secundário, que é o setor de saída, de 12 a 24V. A fonte foi separada em estágio primário e secundário porque, apesar de haver dependência entre eles, as etapas podem ser entendidas mais facilmente quando vistas de forma isolada.

As peças queimadas estão destacadas em vermelho, o que ajuda a formar um caminho de falha. Se pensarmos que o defeito começou pelo transistor Q1, por causa da solda ruim, é possível imaginar a trilha do estrago.

Começando com Q1 em curto-circuito, o supridouro (S) e a porta (G) recebem 300V CC. Temos, a partir deste ponto, dois trajetos para esta tensão: a porta e o supridouro de Q1.

Pela porta de Q1, o surto de energia chega ao UC3843 (U1) até o pino 6, através de R6/D2 e R9, danificando antes o zener ZD1 (18V) de proteção da porta. Pelo lado do supridouro de Q1, a corrente é tão intensa que queima R3, de 0,33 ohm, ligado ao terra. Com R3 aberto, o transiente segue para o pino 3 (sensor de corrente) do UC3843, através de R5, de 150 Ohm.

A razão de utilizar resistor de filme metálico para a posição de R3 é que estes resistores abrem como um fusível, quando queimam. Outros tipos, como os de carvão, podem aguentar mais tempo uma sobrecarga, e só então abrir, o que poderia causar um princípio de incêndio.

Então, o circuito integrado U1, com 300V nos pinos 3 e 6, não aguenta e queima. Apesar da sobrecarga, R5 e D2 não queimaram e R6 ficou apenas chamuscado.

Além disso, o optoacoplador (U2) também danificou-se, provavelmente por causa de U1. Na figura 7, podemos ver o diagrama interno do UC3843. Pode-se inferir que U1 causou a queima de U2 pela linha interna de Vcc (pino 7). Como entrou 300V no pino 6, que tem um transistor ligado diretamente a Vcc, isto talvez tenha causado a queima de U2, mas é mera suposição. O próprio chip, internamente, devido ao tamanho e/ou aquecimento interno, pode ter levado a tensão adiante e queimado U2.

Continuando pela nossa trilha de falha, estes componentes queimados apresentam, então, uma carga muito grande para a ponte retificadora BR1 e ela queima. Daí o fusível abre, só para não pegar fogo em tudo, pois o estrago já está feito. O tempo decorrido entre a queima de Q1 e a abertura do fusível é, certamente, menor do que meio segundo.

Esta linha da raciocínio foi a mais plausível para esta fonte e dá uma vaga ideia do tipo de defeito que ocorreu. Mas são hipóteses, não certezas. Cada caso (e circuito) tem que ser analisado detalhadamente e a abordagem poderá ser feita de outra maneira.

O que foi trocado

A fonte só conseguiu ser revivida após trocar mais 3 componentes: um diodo zener, o integrado de chaveamento e o optoacoplador. Segue a lista de todos os componentes queimados – à esquerda está a referência de cada peça, escrita na placa de circuito impresso:

FUSE – fusível 2A;
BR1 – ponte retificadora KBP206G;
Q1 – transistor MOSFET de chaveamento SW7N60;
R3 – resistor de supridouro, de filme metálico, 0,33 ohm – 2W;
U1 – integrado de chaveamento KA3843 ou UC3843;
ZD1 – zener 18V;
U2 – optoacoplador PC817.
O fusível substituto (FUSE) é verde, com formato parecido com um resistor (figura 8). Ele é do tipo rápido (F). O ideal, nestas fontes, seria um fusível tipo T, que tem um certo retardo até queimar. Isto evita que ele danifique-se no momento da carga do capacitor C1. Mas como o valor deste capacitor é baixo (22uF) e a fonte tem um termistor na entrada, que também alivia o pico inicial de corrente, o fusível foi mantido igual.
A ponte retificadora BR1 é um componente comum em fontes de PC, onde costumam ser mais robustas, pois manejam mais potência. Se a forma e a distância entre os terminais for semelhante, pode ser montada sem problemas. Apenas deve-se atentar para a polaridade.

Não é de bom alvitre guiar-se pelo chanfro do encapsulamento, pois pontes retificadoras mais antigas, como as da Semikron, tinham a marca para o pólo negativo, o inverso das atuais. Para exemplificar, no canto superior esquerdo da figura 9, está a ponte retificadora da Semikron e logo abaixo, a original da fonte. As pontes ali mostradas operam entre 2 e 4A, sob tensões de 600 a 1000V, exceto a verdinha BY164 [6], que é para 1,5A, 80VCA e fontes lineares.

A KBP206G pode suportar até 2A e 600V [7]. Ela foi trocada por outra ponte de 2A e 800V, a PBS208GU, mas não foi possível descobrir algum datasheet.

transistor MOSFET de chaveamento Q1 era o Samwin SW7N60. Se for absolutamente impossível colocar um MOSFET igual ao original, é necessário atentar para algumas características importantes ao escolher um substituto, como foi nosso caso. O transistor poderá ter, eventualmente, alguns parâmetros melhores, mas nunca diferentes demais, pois poderia precisar de ajustes em outros componentes da fonte.

Apesar destes cuidados, há também imprecisões dos fabricantes. Encontramos datasheets diferentes para o mesmo transistor SW7N60. Em Semipower [8], a folha de dados está na revisão 3.0, ao passo que o datasheet proveniente de Dianyuan [9], está na revisão 0.2. Comparando-se os dois documentos, são encontradas várias características desiguais, o que faz pensar que os transistores não seriam os mesmos. Será utilizada a versão mais recente como referência, quando não houver comentário especificando isto.

Então, o SW7N60 maneja até 7A sob 600V e tem uma Rds máxima de 1,3 ohm (ou 1 ohm, conforme o datasheet da revisão 0.2 – [9]). Rds ou Rds(on) é a resistência entre dreno e supridouro que o transistor apresenta quando está conduzindo. Na prática, quanto menor esta resistência, menos o transistor aquecerá, pois haverá menos queda de tensão entre o dreno e o supridouro. Tensões de trabalho mais altas geralmente implicam em Rds maior.

Para escolher o novo componente, foi definido que a tensão de trabalho (Drain to Source Voltage – Vdss) deveria ser a mesma, a corrente de dreno (Id) deveria ser igual ou maior, e Rds deveria ser igual ou menor. Obviamente, também deveria ter o mesmo encapsulamento isolado (TO-220F).

O transistor encontrado na sucata, que preencheu os requisitos, foi o 2SK3569. Ele tem Vdss de 600V, maior capacidade de corrente (Id =10A) e menor Rds (0,54 ohm), conforme a Toshiba [10]. Mas há mais alguns detalhes a observar, para podermos aceitá-lo como equivalente.

Por exemplo, a tensão de porta mínima (Gate Threshold Voltage – Vgs(th) ou Vth) para fazê-lo conduzir. O substituto deve ter este limiar de disparo semelhante ao transistor anterior, ou muito próximo disso. O original disparava entre 2 e 4V, o mesmo que o 2SK3569. Mas, no datasheet da versão 0.2 do SW7N60 [9], consta um Vth entre 2 e 5V.

A diferença não é muito grande, pois os dois conseguem ser ativados por níveis lógicos. Pode haver alguma alteração no início da condução, mas os valores, em princípio, estão dentro da tolerância dos transistores e são pequenos o suficiente para o circuito compensar. Mas se colocássemos no lugar um MOSFET que necessitasse tensões mais altas para chavear, o circuito poderia não funcionar.

Outra questão é a capacitância de entrada (Ciss), que no SW7N60 era de 960pF (mínimo) e no substituto é 1500pF. Diferenças neste valor resultam no atraso ou adiantamento do acionamento do MOSFET e podem comprometer a eficiência do circuito. Na versão antiga da ficha técnica do SW7N60, consta 1500pF.

Os tempos de chaveamento indicam até qual frequência o componente pode ser utilizado. São definidos com 4 parâmetros. Os valores à direita de cada item referem-se ao MOSFET original e substituto, respectivamente.

  • O tempo de retardo até o início da condução (Turn-on Delay Time – Td(on) ou Ton): 15 a 50ns, contra 50ns;
  • O tempo de subida (Rise Time – tr): 30 a 80ns, contra 22ns;
  • Tempo de retardo no desligamento (Turn-off Delay Time – Td(off) ou Toff): 100 a 150ns, contra 36ns;
  • Tempo de decaimento (Fall Time – tf): 38 a 100ns contra 180ns.
Nota-se que o 2SK3569 é mais veloz, perdendo apenas no tempo de decaimento. Quando montado na fonte, o transistor pareceu aquecer-se, mas ainda não foram feitos testes conclusivos, nem é possível a comparação com o anterior. Em princípio, tudo funcionou adequadamente.

Como curiosidade, na excelente página da Elektroda [11], há um esquema de uma fonte Dell, utilizando o 2SK3569. O sítio é em polonês, mas tem opção em inglês. Deve-se estar logado para acessar os arquivos.

O resistor de supridouro (ou resistor sensor) R3 era, originalmente, de 0,33 ohm. Como não havia outro resistor idêntico, de filme metálico, foi colocado um de 0,39 ohm. Este resistor vai ligado ao pino 3 do UC3483 e tem a função de informar a corrente que passa pelo MOSFET. A tensão sobre o resistor é monitorada constantemente e deve ficar dentro de um limite mínimo e outro máximo. Quando ultrapassados estes limites, o circuito de chaveamento modifica a forma de onda de chaveamento do MOSFET, compensando a falta ou o excesso de energia.

A consequência de utilizar um resistor de valor mais alto como sensor de corrente é a redução da potência disponível pela fonte (em torno de 18%). Mas isto também poderá proteger o equipamento e evitar nova queima. Se houvesse necessidade de toda a potência, poderia ser colocado outro resistor de 2,2 ohm em paralelo com R3, o que manteria o valor original do resistor (0,33 ohm). Mas por segurança, considero melhor utilizar um só componente como resistor sensor, que irá queimar rapidamente, caso ocorra uma sobrecarga.

O circuito integrado com a lógica de chaveamento U1 é o bem conhecido KA3843, ou UC3843. A denominação original é Switch Mode Power Supply (SMPS) controller. O modelo utilizado nesta fonte tem 8 pinos, em formato DIL (Dual In Line) e vários fabricantes o produzem. Ele trabalha com frequência fixa e sua folha de dados está nas referências [12], [13] e [14].

Há também extensa documentação para o dispositivo, proveniente da Texas [15]. Nestas notas de aplicação, há um projeto de fonte de 25W, muito semelhante a este com que trabalhamos.

E no Blog PWM [16], há várias aplicações para o UC4843, como carregador de baterias, elevador de tensão e fonte a 80KHz.

O diodo zener ZD1, de 18V, foi substituído por outro de mesma tensão e potência (18V – 0,25W).

O optoacoplador (ou isolador óptico) U2, por sua vez, é figurinha fácil: é o PC817 [17]. É encontrado em praticamente todas as fontes chaveadas: carregadores de celulares, aparelhos de DVD e CD, além das fontes de notebooks e PCs.

Pela quantidade de peças queimadas, obviamente que o tempo gasto não compensaria o conserto, ainda mais considerando o custo das peças. Mas os componentes aqui utilizados vieram todos da sucata, exceto o fusível. Para uso particular, ou para compreender o funcionamento, pode valer o esforço.

Os componentes “opcionais” da fonte

Na figura 10, tem-se uma visão geral da placa da fonte, já consertada. Nota-se que faltam vários componentes, tanto no estágio primário, quando no secundário. Estas peças melhoram a qualidade da fonte, mas, se não existirem, não a impedem de funcionar. São componentes dedicados à filtragem contra interferências eletromagnéticas (IEM), além de incrementar a proteção ao usuário e ao próprio equipamento.

A placa tem espaço reservado para estas peças, que só são montadas pelos fabricantes quando obrigados por normas de desempenho. Como na Europa, que tem requisitos relativamente severos de compatibilidade eletromagnética (EMC – ElectroMagnetic Compatibility) para os equipamentos eletrônicos vendidos por lá.

Nos países emergentes, que não conseguem efetivamente controlar o comércio irregular, ou onde não há uma clara definição da obrigatoriedade, ocorrem estas “economias”, em que todos saimos perdendo – menos a indústria.

Além de não empregarem estes filtros IEM na quantidade necessária, os fabricantes projetam os circuitos para extrair o máximo de cada componente, de forma a otimizar os custos. São produtos baratos, mas frágeis, pois não costumam aguentar uma sobrecarga qualquer, já que as tolerâncias a falhas são muito pequenas. E são equipamentos geradores de ruídos eletromagnéticos.

Aliás, se tivéssemos que escolher entre duas fontes aparentemente idênticas, muito provavelmente a melhor seria a que tivesse mais componentes, e portanto seria mais pesada. É que os filtros e proteções sempre adicionam alguma massa ao equipamento, pois são relativamente grandes e utilizam bastante cobre e ferrite.


Fonte: https://dicasdozebio.com


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